sábado, 26 de dezembro de 2015

O POSITIVISMO CITADO POR LEANDRO KARNAL



O Positivismo citado por Leandro Karnal
                                                           Arthur Virmond de Lacerda Neto
                                   26.XII.2015.

Em dezembro de 2015, Leandro Karnal referiu-se, em conferência na Universidade Federal de Uberlândia, ao Positivismo, nestes termos: “Ser positivista é um xingamento que atinge a todas as pessoas. Não obstante, em todas as bancas os temas mais tratados são: erros de redação, falhas da ABNT e erros de data. Nós odiamos o Positivismo, mas as bancas são positivistas”.

            Positivismo é a doutrina criada pelo francês Augusto Comte, cujos princípios fundamentais correspondem:

a) ao entendimento, em filosofia, de que o mundo existe e funciona segundo leis naturais que lhe são inerentes, e não segundo a intervenção de seres sobrenaturais (deuses) nem de energias, espíritos ou forças igualmente sobrenaturais. O reconhecimento das leis naturais permite a previsão dos fenômenos e, em certa medida, a intervenção neles.
b) ao entendimento, em religião, de que há um ser supremo, superior aos indivíduos, a Humanidade, conjunto dos seres humanos de todos os tempos, úteis ao seu semelhante.
c) ao entendimento, em moral, de que o altruísmo, vale dizer, o sentimento e a prática do bem, é preferível ao egoísmo sob qualquer das suas manifestações.
d) ao entendimento, em política, de que o governo deve limitar-se a atuar sobre as coisas, sem interferir nos pensamentos, ou seja, deve ocupar-se da administração da vida material da coletividade e abster-se de ingerir-se no que se relacione com as convicções das pessoas: não deve o Estado impor nem proibir nenhuma religião, tampouco os atos de culto correspondente, nem nenhuma doutrina. O Estado deve ser laico, neutro em matéria de religião e de doutrinas.

            Comte criou, também, a sociologia.

            A Sociologia corresponde à ciência da sociedade: assim como da observação dos astros resultou a astronomia; como da observação dos seres vivos resultou a biologia, da observação da sociedade resultou a sociologia, como ciência autônoma, que Augusto Comte constituiu, nominou e cujos princípios formulou.

            Ele discerniu, nas sociedades, elementos constantes, permanentes (a propriedade, a linguagem, o governo, o sacerdócio, a religião) e as suas variações ao longo do tempo, ou seja, as condições estáticas e dinâmicas da sociedade, que nominou, respectivamente, de ordem e de progresso.

            Ordem significa as condições de existência das sociedades, a forma pela qual elas existem. Progresso significa a forma pela qual os elementos da ordem alteram-se, ao longo do tempo. Na primeira, consideramo-las com abstração do tempo, como se elas se encontrassem fixas e imóveis, sincronicamente; na segunda, consideramo-las sob o passar do tempo, no seu movimento ao longo dele, diacronicamente.[1]

            A estática social acha-se no segundo volume do Sistema de Política Positiva (1852); a dinâmica social acha-se no seguinte, de 1853, que contém a filosofia da história do Positivismo.
            O Positivismo compreende, também, uma religião.

            Religião não é sinônimo de teologia. Teologia significa a área do entendimento humano que se ocupa do conhecimento das divindades, da demonstração da sua existência, da percepção da sua providência e da sua vontade, da interpretação das suas manifestações, da instituição do culto que se lhes vota, da formulação dos princípios da fé que se adota em relação a eles, da determinação dos comportamentos que os homens devem praticar em decorrência da vontade divina.

            Religião significa o conjunto de princípios de inteligência, da afetividade e de comportamento que orienta os indivíduos e que permite o entrosamento deles entre si. Ela educa o indivíduo pelo dogma (conhecimentos intelectuais), pelo culto (práticas que inspiram sentimentos) e pelo regime (formas de comportamento) e permite a aproximação das pessoas que comungam dela, mercê da concordância das suas maneiras de pensar e de viver .
            É religião todo sistema de credo, de culto e de regime que forma a pessoa e que, ao mesmo tempo, serve de meio de comunhão social.

            Corriqueiramente, confunde-se religião com teologia ou, antes, a forma teológica da religião com a própria religião.

            Historicamente, a religião apresentou diferentes modalidades: foi feiticista, astrolátrica, politeica, é (em declínio) monoteica; pretende o Positivismo que seja humana.

            As formas teológicas de religião admitem a existência de sobrenaturalidade e, nele, de vários deuses (politeísmo) ou de um só (monoteísmo, de que a forma ocidental corresponde ao cristianismo).

            A religião da Humanidade rejeita qualquer sobrenatural e centra-se no conceito de Humanidade, conjunto de pessoas (e animais) que, ao longo dos tempos, contribuíram para o incremento da condição de existência das sociedades e que, em maior ou menor medida, participaram, construtivamente, da civilização humana.

            A religião da Humanidade celebra os principais agentes da civilização, em filosofia, política, ciência, atividade, artes e letras. Ela adota por fundamento o conhecimento da realidade, tal como a ciência a descreve; norteia a afetividade na direção dos bons sentimentos; orienta a atividade em prol da paz interna e internacional, do espírito público e da probidade pessoal.

            O Positivismo não é cientificista, no sentido de que não se limita ao conhecimento que a ciência nos propicia; nele, ela não constitui o fim da inteligência humana nem a sua limitação. Ela constitui o fundamento do conhecimento da realidade.

            A combinação da recusa do sobrenatural (ateísmo), com a convicção de que há regularidades nos fenômenos que o homem é capaz de conhecer (ciência) e usar (técnica), com o antropocentrismo (o humano como centro e destino do conhecimento e da atividade, como critério dos valores), com o senso de coletividade, com a percepção da relatividade dos nossos conhecimentos, com a preocupação com o próximo resultam no que o Positivismo nomina de espírito positivo ou positividade.

            O Positivismo não se limita à ciência; ele não se reduz ao estudo científico e à sua exaltação como culminância do saber. Ele usa-a como instrumento voltado ao fim maior de conhecer-se a realidade e modificá-la em direção socialmente vantajosa.
           
            Ao quadro intelectual que acabo de expor (espírito positivo; instituição da sociologia; religião da Humanidade) corresponde o Positivismo na sua originalidade.

            Escassamente estudado no Brasil o Positivismo, conhecido de segunda mão, desmerecido pela direita, pela esquerda, pelos católicos, o adjetivo positivista degenerou, entre nós, em xingamento acadêmico. Apodar algo ou alguém de positivista tornou-se forma de estigmatizá-lo: o estigma é injusto, a qualificação é preconceitosa.

            A qualificação é preconceituosa porque serve para desmerecer, automaticamente, o objeto ou a pessoa a que o qualificador se opõe: dado o rótulo, associam-se ao rotulado conotações pejorativas, usualmente combinadas com emoções raivosas, homólogas aos vitupérios “viado”, “fascista”, “ateu”, “cartesiano”, “petista”, “coxinha”. Bem entendido que tal estratagema supõe, no visado e nos expectadores, inculcamentos prévios que tornem eficaz o xingamento. No caso do Positivismo, as comunidades acadêmica e profana vêm sendo doutrinadas na maledicência dele, o que tornou professores, estudantes e leitores propensos ao efeito vituperador, já inveterado no senso comum.

            Mas a imputação de “positivista” é, principalmente, injusta porque advém de avaliações distorcidas do Positivismo, da aplicação da falácia do espantalho, da má-fé, da ignorância; provavelmente, também, do ausência de brio intelectual porque se ouse examiná-lo fora do espírito de rebanho, dos consensos acadêmicos e discrepar-se do tom de vaia com que a multidão se sente em espírito de corpo.

            Duas tarefas incumbiam ao Positivismo, asseriu Comte: substituir a fé sobrenatural por outra, demonstrada; incorporar o proletariado à sociedade moderna, vale dizer, laicizar a moral e promover a igualdade social.

            Como filosofia e como ética, o Positivismo visa a suceder às concepções de mundo teológicas (fundadas no sobrenatural) e ontológicas (tributárias da imaginação de entidades) por cosmovisão realista, centrada na idéia de Humanidade, inspirada por simpatia humana, dedicada ao incremento do bem-estar das pessoas.
            A positividade é realista, construtiva e simpática: a sua ética parte da realidade para construir valores de fraternidade; também é relativa, porque situa os valores e os comportamentos nos respectivos contextos e julga-os conforme a eles.[2]

            Como filosofia (entendimento do mundo e do lugar que nele ocupa o ser humano) e como ética (reflexão acerca dos valores), o Positivismo transcende a filosofia e a ética da ontologia e, máxime, da teologia. Transcender, aqui, significa recusar o sobrenatural e o ontológico; por outro lado, desenvolvê-las à luz da realidade humana.

            O etos positivista produz a ética positivista como escala de valores espontaneamente realista, deliberadamente fraternal, dedicada e libertária. Ela fundamenta-se na experiência para criar regras de comportamento, que se avaliam segundo os efeitos humanos de cada ato, cada hábito, cada tendência ou sentimento.[3]

            Mais positividade e mais moralidade, mais realidade nas observações e mais humanismo nas aplicações: eis, enfim, a mensagem do Positivismo, à luz da axiologia. Laicidade, liberdades políticas, direitos trabalhistas, feminismo (sem exacerbações), direitos dos animais, educação para todos,  direitos humanos,  democracia,  república,  cooperação internacional são temas atuais, que se compaginam, direta ou indiretamente, com as proposições do Positivismo.

            Quanto à “incorporação social do proletariado” (fórmula em que proletariado significa o comum das pessoas, o público em geral) o Positivismo inspira-se no esforço pela elevação da condição de vida das pessoas, do seu nível de instrução, do seu acesso ao lazer, da estabilidade no emprego, da proteção do trabalhador, na participação de todos nos produtos intelectuais, materiais e morais disponíveis. Nesta acepção, o Positivismo é “trabalhista”, ao invés de “burguês”. Se, por um lado, afirma a propriedade individual, por outro, afirma, igualmente, os deveres do proprietário: sendo social na sua origem, a riqueza deve sê-lo também nas suas aplicações. Na cosmovisão positivista, o rico detém a riqueza não para seu uso e gozo pessoal, senão como administrador de produtos, instrumentos e meios com que deve beneficiar o público: na função social da propriedade, dogma do Positivismo, aos ricos incumbem deveres republicanos.

            Também o republicanismo pertence, por excelência, ao Positivismo: ausência de sucessão hereditária da chefia do Estado; dedicação da atividade em prol do conjunto da sociedade, com liberdades políticas e pessoais. A república, no Positivismo, fundamenta-se na separação dos poderes temporal e espiritual (gíria positivista), vale dizer, na independência da opinião em relação ao Estado, na liberdade de consciência perante o poder público.

                 Liberdade de ser, de estar, de pensar, de fazer, de abster-se, de dizer, de calar, de crer, de duvidar, de vestir-se, de desnudar-se, de exercer a própria individualidade, de ser original, de não o ser, em suma, todas as liberdades pessoais calham no Positivismo, exceto a de prejudicar a outrem, advérbio em que Augusto Comte incluiria a fauna, a flora e a própria Terra e, com ela, o ambiente. O Positivismo foi pioneiro no atualmente em voga ecologismo. Nas liberdades positivistas cabem, também, as limitações tradicionalmente admitidas no mundo ocidental à interferência dos poderes públicos na existência das pessoas.

            O Positivismo não se alinha com o individualismo, não centra os seus valores no indivíduo, a despeito da sociedade. Ao contrário, ele é organicista, professa a comunhão de cada um em relação aos demais, não apenas porque o ser humano desenvolve-se coletivamente, na medida em que os produtos intelectuais e materiais transmitem-se diacronicamente, como, sobretudo, porque a existência humana somente se desenvolve no meio coletivo: daí o seu dístico “viver para outrem”, como constatação de que a vida de cada um se integra, de longe ou de perto, na de outrem, e como incremento do sentido de colaboração. Ser positivista equivale a saber-se integrante da coletividade e prestar o seu concurso para o aprimoramento da sociedade em que se vive.

            O Positivismo foi precursor, também, na dignificação dos animais, atualmente em voga, a título de “direitos dos animais”: já em 1852 Augusto Comte introduzira a noção dos deveres da Humanidade para com os nossos “irmãos menores”.

                 Inteligência amorosa da realidade; república amorosa das liberdades; riqueza amorosa do bem-estar alheio; humanismo amoroso do senso de responsabilidade social; homens amorosos dos animais.

            Isto é o Positivismo. Diferentemente disto, não é o Positivismo; é alguma forma de “positivismo”, são as caricaturas que dele circulam na forma de falácia do espantalho, é o que se lhe imputa desonesta ou ignorantemente.

            Segundo Leandro Karnal, o “Positivismo não deu certo na França” e “morreu, mas o seu cadáver ainda fede nas academias”.

            “Dar certo” é expressão vaga que, na sua latitude polissêmica, comporta as mais variegadas interpretações e manipulações.

            O Positivismo não deu certo por que não granjeou adeptos? Porém os teve, e muitos, notadamente em Paris, em que funcionou a Sociedade Positivista, em vida de Comte e após a sua morte.

            Não deu certo por que malogrou a sua divulgação? Mas (para limitar-me à França) a Revue Occidentale, orgão do Positivismo, circulou, regularmente, por cerca de quarenta anos, com a colaboração de intelectuais franceses e estrangeiros, vale dizer, cativou público leitor e manteve público autor. Também na França, La philosophie positive, periódico, existiu por dezesseis anos ou mais. Na França e no exterior houve oito revistas positivistas.

             Não deu certo por que não persuadiu políticos? Contudo (limito-me a franceses) Júlio[4] Ferry, Waldeck-Rousseau e Gambetta, primeiros-ministros franceses, declaravam-se positivistas; os positivistas Carlos Robin e Emílio Littré conquistaram a senatoria; Maurício Ajam e E. Delbet foram deputados no parlamento francês; o general André, ministro da Guerra; Deluns-Montaud, ministro dos Trabalhos Públicos; Leão Bourgeois, antigo primeiro-ministro e senador, professavam, de público, admiração pela obra de Comte.

            Não deu certo por que o mundo acadêmico e intelectual ignorou-o? Todavia (selecionei franceses) o sucessor de Comte, Pedro Laffitte, obteve cadeira de História das Ciências, no Colégio de França; Carlos Adam, professor de Filosofia em Dijon; Franck Allengry, professor de filosofia; A. Aulard, professor da Faculdade de Letras de Paris; Alexis Bertrand, professor de filosofia na Universidade de Lyon; Carlos Bouchard, professor da Faculdade de Medicina de Paris e membro da Academia de Ciências; Ferndinando Brunitière, da Academia Francesa; Gabriel Compayré, reitor da Universidade de Lyon; Heitor Denis, reitor da Universidade de Bruxelas e deputado no parlamento belga; Dujardin-Baumetz, sub-secretário de Estado das Belas Artes; Emílio Faguet, professor da Faculdade de Letras de Paris e membro da Academia Francesa; A. Lacassagne, professor na Faculdade de Medicina de Lyon; Júlio Lemaitre, da Academia Francesa; L. Levy-Bruhl, professor na Escola de Ciências Políticas; Emílio Littré, da Academia Francesa; o conde Leão de Montesquiou, autor de livro; Emílio Ollivier, da Academia Francesa; Ernesto Renan, do Instituto de França; Emílio Rigolage, professor universitário; Carlos Robin, senador; Sully-Prudhomme, da Academia Francesa, para limitar-me aos franceses, testemunharam adesão fiel ou, no mínimo, simpatia pelo Positivismo.

            Não deu certo, porém, segundo Harald Hoffding, professor da Faculdade de Filosofia de Copenhage, a sua influência na filosofia européia foi salutar, benéfica e imensa. Não deu certo, mas Ernesto Renan, do Instituto de França e diretor do Colégio de França, comovia-se ao ver tantos homens de valor, na França, na Inglaterra, na América, aceitar este nome [o de Comte] como bandeira. Não deu certo, mas Luis Stein, da Academia de Ciências de Berna, via em Comte um rival de Kant, o maior gênio filosófico da França. Não deu certo, porém consoante o jesuíta Grüber, o movimento positivista [...] aufere, há uma geração, em diversas formas, o domínio inteiro da filosofia, da ciência, da literatura, da política.

            Não deu certo por que os franceses olvidaram-se dele? Entretanto, Annie Petit, Roland Andréani, Gérard Cholvy, Alain Vaillant, Jean-François Braunstein, Jérôme Grondeux, Angèle Kremer-Marietti, Antoine Picon, Daniel Becquemont, Eric Sartori, Jacques Muglioni, Jean-Claude Wartelle (para nominar alguns) são-nos coevos e autores de livros e estudos acadêmicos acerca do Positivismo.

            Não deu certo como religião: não chegou a desenvolver-se sacerdócio da Humanidade, não se edificaram templos da Humanidade e escassearam os positivistas religiosos. A reação católica (re) doutrinou, no período napoleônico, os filhos da geração iluminista e, novamente, na segunda metade do século 19, conteve o avanço positivista, marxista, socialista, livre-pensador, ateu, anti-clerical, por meio da preponderância na educação e da formação do etos francês, ao mesmo tempo em que os positivistas franceses, na pessoa do seu cacique, Pedro Laffitte, deliberadamente esforçaram-se pela propagação intelectual da doutrina, cuja vertente religiosa negligenciaram, ao passo que, no Brasil, os positivistas enfatizaram a religião da Humanidade, cujo culto e as intervenções públicas de Miguel Lemos e de Raimundo Teixeira Mendes granjearam popularidade, prestígio, influência e adeptos que se congregaram em comunidade propriamente religiosa.

            O Positivismo não merece ódio. Merece atenção e estudo isento: o seu estudo desapaixonado, em fontes confiáveis, a começar pelas obras do próprio Comte e dos seus discípulos brasileiros e forasteiros, suscitará, quero crer, admirações e mesmo adesões, a exemplo das muitas que, em tempos, ele granjeou, no Brasil e no exterior.

            Leandro Karnal associou o adjetivo “positivista” à atenção, das bancas acadêmicas, pelas regras da Abnt, por datas e pela redação escorreita, a cujo propósito expendeu que “o seu [do Positivismo] cadáver fede nas academias”.

            Relevo o mau gosto da locução, mas noto-lhe o aspecto de frase de efeito que veiculou a confusão entre Positivismo e a caricatura estúpida dele, que designou de “positivismo”.

            Em si, não é censurável as bancas atentarem à ortografia, à escorreição dos textos, à correção cronológica e mesmo à observância das (fastidiosas) regras da Abnt. Aliás, incumbe-lhes argüirem os autores de monografias, dissertações e teses quanto às datas, à ortografia e às regras da Abnt, embora secundariamente.

            Seja como for, a adjetivação de “positivista” aplicado, como fez Leandro Karnal, somente se tolera por figura de linguagem desnecessária, em que alargou demasiadamente o sentido de Positivista para o que, com propriedade, deve-se exprimir por outros adjetivos: as bancas são meticulosas, minuciosas, rigorosas, birrentas, implicantes, fúteis ou o que se entender que são – contudo, não são Positivistas.

            A única via de aproximação entre o Positivismo e a metonímia de Karnal resulta de um dos sete significados da palavra positivo, tal como Augusto Comte a definiu: o positivo é real (e não fantástico), útil (e não ocioso), certo (e não duvidoso), preciso (e não vago), orgânico (e não destruidor), relativo (e não absoluto) e simpático (e não inafetuoso).

            Mesmo que se isolasse (das outras seis) a acepção de certeza e que se exacerbasse o “certo”, ainda assim a sinonímia entre “certo” e “positivista” produz metonímia 1) inteiramente desnecessária, em face da existência de vocábulos que exprimem com propriedade o que ela exprime figuradamente, 2) censurável, pois reduz a riqueza polissêmica própria de positivo à uma univocidade artificial, 3) errada, pois a preocupação meticulosa com datas, regras da Abnt, erros de redação e quejandos não integra, caracteristicamente, a forma mental do Positivismo e 4) novamente errada pois “certo”, no jargão positivista opõe-se a duvidoso. Duvidoso é o que suscita dúvidas, a cujo respeito não se formaram conclusões, que ainda pende por esclarecer. Certo, na acepção positivista não equivale a correto gramatical, estilística, cronológica ou convencionalmente. Uma dissertação pode conter afirmações erradas no seu conteúdo, datas indevidas, formalidades da Abnt descumpridas, sem que nada disto seja duvidoso.

            Quer Leandro Karnal haja empregado o adjetivo “positivista”, na acepção em que o fez, por originalidade própria ou por imitação de uso corrente, nos dois casos trata-se de abuso terminológico que urge correção.

            Leandro Karnal cometeu dois erros de fato: segundo ele, as tumbas de Augusto Comte e de Clotilde de Vaux existem graças a doações de brasileiros. É falso. A sepultura de Clotilde pertencia à sua família (Marie de Ficquelmont); a de Comte não foi doada por nenhum brasileiro. Atrás, contudo, da tumba dele, a Igreja Positivista do Brasil adquiriu terreno em que, nos anos 1980, o almirante brasileiro Henrique Batista da Silva Oliveira promoveu a instalação de monumento à Humanidade (mulher jovem com o seu filho criança nos braços).

            Na sua alocução, quero crer que na expressão “nós odiamos o Positivismo”, Leandro Karnal haja se expressado metaforicamente: referiu-se não a si próprio (mercê do chamado plural de modéstia, em que o pronome da primeira pessoa do plural equivale ao do singular) nem à coletividade que o ouvia, mas, vagamente, aos que odeiam o Positivismo (o que, porventura, inclui a si próprio e a parte dos seus ouvintes então).

            Seja quem for o odiento, mal vai a vida intelectual quando se odeia em lugar de se impugnar, quando a cognição se sujeita às más paixões.

            Não considero desmerecedor o adjetivo positivista nem o substantivo positivismo, desde que compreendidos nos seus sentidos lídimos, como expressões do que realmente Augusto Comte expendeu.

            Positivismo e positivista exprimem estudo dos fenômenos como objetos de observação (ao invés de imaginação); ateísmo; moralidade como correspondendo ao altruísmo em todas as suas formas; laicidade da moral; eliminação total da violência nas relações humanas, pessoais, políticas e internacionais; condenação das guerras; liberdades civis; submissão da política à moral; recusa de imposição governamental de doutrinas aos indivíduos; laicidade do Estado; incorporação social do proletariado à sociedade moderna (construção de sociedades justas, solidárias e includentes); espírito público; república; patriotismo sem xenofobia; zelo pelo próximo e pelo conjunto dos humanos; função social da riqueza e da propriedade; valorização do indivíduo como agente da ação humana; encarecimento do papel afetivo da mulher, no seio da família, como formadora dos seus filhos; encarecimento do mérito humano, em todos os seus aspectos e em todos os lugares e tempos; senso de dever; exortação pela fraternidade entre os povos; proteção do ambiente; deveres para com a fauna e a flora.

            Não concebo que se odeie tudo isto ou parte disto. Nada disto me parece odioso; ao contrário, parece-me simpático e aliciante.

            O ódio do Positivismo e positivista como vitupério correspondem a sintomas de desconhecimento, ignorância, má-fé, preconceito (combinados ou não) em torno do que o Positivismo realmente é. Pelo que ele realmente é, julgo que merece aplauso e motiva admiração; que é suscetível de cativar homens de pensamento, homens de ação e homens de boa vontade; de orientar pessoas, de inspirar políticas, de renovar mentalidades, de fortalecer as liberdades, de promover o bem-estar humano. Também por isto tudo, considero que ele merece a atenção do público intelectualmente honesto, quando menos para se conhecer, fielmente, o que se odeia e para se construírem metomínias melhores.

            Em tempo: Leandro Karnal reputou “simpático” o “projeto” de Laurentino Gomes, com os seus livros “1808” e “1822”. A mim, o primeiro parece detestável pela sua lusofobia, pela sua parcialidade, pelo seu tom apelativo, pela sua desgraciosidade estilística. Isabel A. Ferreira, em Portugal, publicou Contestação (Chiado Editora, 2013), em que lhe corrige erros, com veêmencia à altura da leviandade deles; José Verdasca e Antonio Guerreiro publicaram, no Brasil, “A Colonização Portuguesa no Brasil. Contestação e repúdio aos livros “1808” e “1822” (2015). Justifiquei a minha  repulsa por “1808” no artigo “1808”: um péssimo livro (arthurlacerda.wordpress.com). Fica o registro da divergência de avaliações entre Leandro Karnal e os quatro autores.

           


[1] É da autoria de Comte o dístico “Ordem e Progresso”. São inteiramente falsas a associação da ordem com a repressão do Estado às liberdades civis e política, e a do progresso com o incremento do capitalismo e da dominação do proletariado pela burguesia. A ordem, no seu sentido original e legítimo, não se refere à forma (autoritária ou não) do poder governamental; o progresso, no seu sentido original e legítimo, não se refere a nenhum sistema econômico. A distorção do significado destes conceitos é corrente no Brasil. Aprendem-se as acepções legítimas deles mercê da leitura das obras de A. Comte e das dos seus bons expositores, como Raimundo Aron (em “As etapas do pensamento sociológico”, que se acha traduzida no Brasil); aprendem-se as distorções deles mercê da leitura de autores marxistas, dos que os repetem de segunda e terceira mãos, dos apedeutas, dos que criticam Augusto Comte sem, previamente, haverem-lhe lido as obras e se esforçado, honestamente, por compreendê-las.
[2] No Positivismo não há relativismo moral, na acepção (jesuítica) de que os valores e as noções de certo e de errado variam ao sabor das conveniências e dos interesses; há relatividade das apreciações morais, no sentido de avaliar os valores e os respectivos comportamentos em função do estado de coisas a que correspondem.
[3] COMTE, A. Discurso sobre o espírito positivo. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 67.
[4] Traduzo os prenomes dos mortos.



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O POSITIVISMO CITADO POR LEANDRO KARNAL PREZADO SENHOR PROFESSOR LEANDRO KARNAL O Senhor não leu os originais de Augusto Comte. Leu em fonte errada e concluiu tudo errado. É por isso que Augusto Comte pregava que em Universidade se discute muito e muitas das vezes nada se conclui corretamente para a vida prática. 

Não sou positivista ortodoxo.Não sou sociocrata e sim societocrata. Mas, Positivista!

Veja o comentário sobre a sua palestra. Referente ao tópico sobre Augusto Comte. http://cartacampinas.com.br/2015/12/karnal-quem-le-veja-nao-esta-dividido-com-nada-e-absolutamente-fascista/ Comentário de Arthur Virmond de Lacerda Neto http://sccbesme-humanidade.blogspot.com.br/2015/12/o-positivismo-citado-por-leandro-karnal.html Fica aqui registrado que um Encéfalo privilegiado vivente no século XXI é Positivista. http://www.millennialstar.org/stephen-hawkings-defense-of-positivism/ SEM MAIS PARA O MOMENTO, DESEJO-LHE SAÚDE, COM RESPEITO E FRATERNIDADE PAULO AUGUSTO LACAZ PRESIDENTE SCCBESME HUMANIDADE
http://societocratic-political-regime.blogspot.com.br/2013/09/new-ideas.html


quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

BRASIL COLONIZADO POR BANDIDOS ?


                               BRASIL COLONIZADO POR BANDIDOS ?
                                                                       Arthur Virmond de Lacerda Neto.
                                                                                                              Dezembro de 2015.

             Não, o Brasil não foi colonizado por degredados nem por bandidos. Isto é mito, já desmentido pela historiografia, apesar do título do livro de Eduardo Bueno, "Traficantes, náufragos e degredados", livro que reproduziu o alvará de couto e homízio, do século 16, pelo qual os condenados, no Brasil, ficavam isentos de pena; ele o reproduziu sem nenhuma análise quantitativa de quantos degredados vieram nem do tipo de legislação penal vigente na altura.

            A armada de Cabral deixou 2 degredados; com Tomé de Sousa vieram 40, em 600 embarcados (dada a grafia de difícil leitura do documentário da expedição, leram 400 onde se redigiu 40).
             Ao longo dos séculos, a proporção de imigrantes voluntários e inocentes, criminalmente, foi incomparavelmente superior à suposta avalanche de degredados, que os documentos não confirmam. Demais, os crimes de então não o seriam hoje: punia-se mulher fingir parto, sacar de espada em procissão, fraudar pão. Camões foi degredado. Por outro lado, a Austrália não foi colonizada com o que a Inglaterra tinha de melhor; ela foi depósito de ladrões e de criminosos.
            Muitos brasileiros têm o vício de culpar algo ou alguém pelas mazelas do Brasil: o capitalismo, a burguesia, o regime militar e...a colonização. Não há fundamento nenhum na asserção de que os degredados aqui tinham interesses escusos em negociatas; é fantasia.

            Por outro lado, Gilberto Freyre (Aventura e rotina; O mundo que o português criou; O luso e o trópico; Novo mundo nos trópicos), Antonio Silva Mello (Nordeste), Eduardo Prado e Luis Pereira Barreto (na polêmica que os opôs), o romancista José de Alencar (Cartas sobre a escravidão), Carlos Mendonça Lisboa (500 anos do descobrimento) afirmam as qualidades da colonização portuguesa, do colono português, da mestiçagem, da obra de criação de riqueza e, especialmente, de construção de nacionalidade, diferentemente da exploração brutalmente cúpida dos holandeses no nordeste brasileiro e da incúria britânica no que concerne às suas antigas treze colônias.
            O que são as guianas inglesa, francesa e holandesa? Países atrasados que sempre o foram. O que é a India, após 300 anos de ocupação inglesa? Um dos mais pobres países do mundo. O que foi a Africa do Sul por décadas? Por anos a fio, o país da segregação de raças, ao inverso do Brasil, terra da aceitação do preto e do silvícola pelo branco.

            É fácil demais acusar o passado brasileiro como bode expiatório, mas é falso, histórica e antropológicamente, relacionar, em jeito de causa e efeito, os males presentes à nossa origem, mesmo porque houve, sim, no Brasil, períodos de riqueza, de honestidade, de elevação na política, de brilho nas letras. Por que só os males seriam produto da colonização e não, também, os méritos dos brasileiros? 

            O alvará do século 16 existiu; não se segue disto, que tenham vindo condenados e que estes fossem elementos perniciosos. As Ordenações Filipinas, livro de legislação que vigorou de 1603 até o Brasil independente, prescrevia degredo para o Brasil com prodigalidade, o que não implica que, de fato, houvessem degredados para cá, ao longo de trezentos anos.

            A leitura do Código Penal Brasileiro ensejará, virtualmente, a impressão de que todos os brasileiros são criminosos e de que perpetram os mais variegados crimes. Assim como ele não constitui o catálogo dos comportamentos habituais dos brasileiros, o alvará e a cominação de degredo para o Brasil tampouco indiciavam o tipo de pessoa que imigrava para o Brasil.

            Demais, a quem interessa o discurso inculpador da colonização? A quem ele serve? Por que insistir-se em culpar-se os portugueses de 500 anos atrás? Para desculpar-se, exculpar-se ou mitigar-se a culpa dos culpados atuais. A retórica da "corte corrupta", da emigração de condenados, de que "é assim desde o começo" alinha-se com o pensamento conformista e conformador, politicamente interessado em abrandar a censura moral que as pessoas imputam aos corruptos de hoje.

             Desde que o Brasil independeu, tornou-se senhor de si próprio, para bem e para mal; corrigir males e remediar erros tornou-se atribuição dos brasileiros. Se os alegados males da herança colonial persistem, é porque os brasileiros não souberam estar à altura da liberdade em que vivem. Por isto, não se culpe a "herança colonial", como se o Brasil fosse colônia ou se houvesse independido a pouco. Um dos males de que o brasileiro carece de se livrar, é o vezo de, como disse acima, de culpar a outrem pelos males que ele não sabe ou não quer erradicar. É discurso que convém muito a quem ele serve de justificação e que os sub-informados repetem acriticamente.

            Oliveira Lima, em "O movimento da independência" (Topbooks, p. 46) diz (maiúsculas minhas): "A COLONIZAÇÃO BRASILEIRA LEVADA A CABO POR DEGREDADOS É UMA LENDA JÁ DESFEITA. Nem ser degredado equivalia então forçosamente a ser criminoso, no sentido das idéias modernas. Punia-se com a deportação delitos não infamantes e até simples ofensas cometidas por gente boa. Os dois maiores poetas portugueses, Camões e Bocage, sofreram a pena de degredo na India, como Ovídio sofreu a de banimento no Ponto Euxino".

HONESTIDADE NA VIDA PÚBLICA BRASILEIRA EXISTIU (a propósito, também, da alegaçãode que a corrupção, no Brasil, é "herança colonial”).

            JOSÉ BONIFÁCIO, o velho, ao tornar-se ministro de D. Pedro I, logo depois da Independência, reduziu os salários dos ministros pela metade. De 800 mil réis, passaram para 400. No fim do mês, recebeu o seu, foi ao teatro e guardou a quantia embaixo do chapéu, na cadeira ao lado.

            No intervalo, ao regressar à sua cadeira, haviam-lhe furtado o chapéu e a soma. Teve de pedir dinheiro emprestado para pagar as suas contas. O imperador soube disto e mandou o ministro da Fazenda, Martim Francisco, irmão de José Bonifácio, pagar-lhe um segundo salário. 

O ministro recusou-se:

- Majestade, vou pedir licença para não cumprir a ordem.

- Por quê?

- Primeiro, pelo mau exemplo. Cada um tem que cuidar do que é seu. Segundo, porque o ano tem 12 meses para todos e não pode ter 13 para o um funcionário descuidado. Terceiro, porque vou dividir o meu com ele.

            Também é conhecida a honestidade de d. PEDRO II (cujo anedotário, a propósito, não coligi ainda).

            Bernardo PEREIRA DE VASCONCELOS. Na biografia que redigiu de Bernardo Pereira de Vasconcelos, Otávio Tarqüínio de Sousa assim se refere ao pagamento de salário dos deputados brasileiros, em 1826:

“[...] para o deputado mineiro [Bernardo Pereira de Vasconcelos] o subsídio [salário dos deputados], que se tornaria depois um dos atrativos do mandato popular, era coisa que não queria discutir, a que aludia com escrúpulos. A Câmara de 1826 deixara a questão do subsídio ao arbítrio do Tesouro. Pagasse-o este, segundo as suas possibilidades, a 600$, a 400$ ou a 200$ por mês. Ou não pagasse nada. “Aqui ninguém vem pelo dinheiro”, disse Batista Pereira. Paula Sousa propusera o subsídio mínimo; com este alvitre ficou de acordo Bernardo de Vasconcelos. Prevaleceu afinal a importância de 600$000. Três anos mais tarde, o mesmo Vasconcelos proporia o subsídio de 8$ diários e concordaria com o de 6$400, lembrado pelo deputado Maia”. Bernardo Pereira de Vasconcelos, Livraria José Olympio, 1972, p. 36.

            Manuel DEODORO da Fonseca, chefe militar da proclamação da República, seu presidente provisório e seu primeiro presidente constitucional.

Nos meses finais do império, sendo primeiro-ministro o Visconde de Ouro Preto, este ofereceu-lhe o título de barão de Alagoas, em meio a uma distribuição generalizada de títulos e comendas aos oficiais generais do exército e da armada, como forma de cooptá-los em favor do regime. Deodoro recusou, como também Benjamin, a quem igualmente se ofereceu um baronato, e ainda, em Curitiba, Ermelino de Leão (que seria barão do Alto da Glória): não se deixavam corromper com títulos.

            Sendo presidente da república, recebeu a visita, no palácio do Itamarati, de um indivíduo que, para lisonjeá-lo com segundas intenções, deu-lhe um retrato de Deodoro em rica moldura, gentileza que muito o sensibilizou.

            Dias depois, voltou a procurá-lo o ofertante e solicitou-lhe um emprego excessivamente rendoso e cujo provimento dependia de concurso. O general explicou-lhe as condições em que poderia nomeá-lo, ao que ele replicou-lhe: "É que V. Excia. não se recorda de mim; eu sou a pessoa que ofereceu o seu retrato..." E Deodoro exclama: "Ah!, bem sei, bem sei, bem; estou na obrigação..." e saca do bolso 70 réis com que lhe pagou o retrato.

            O indivíduo relutou em aceitar, porém o presidente insistiu e obrigou-o a passar-lhe este recibo: "Recebi do Sr. generalíssimo Deodoro da Fonseca, a quantia de 70$ de um retrato do mesmo Exmo. Senhor que lhe ofereci no dia 2 de agosto findo, sem ser por encomenda. Capital Federal, 8-11-1890. - M...B...". (Ernesto Sena, Deodoro: subsídios para a sua história. Senado Federal, 1999, p. 182).

            Marechal do Exército, condecorado várias vezes, presidente da república, ao morrer, deixou à sua viúva as suas economias, a ninharia de nove contos.

            Um sujeito propôs negociata a FLORIANO PEIXOTO, em que este, presidente da república, seria sócio de rendosa empresa, cuja criação dependeria ,apenas, da concordância dele. Floriano respondeu ao tipo que, sim, serei sócio ...quando houver deixado a presidência.

            BENJAMIN CONSTANT Botelho de Magalhães foi tenente-coronel e professor de matemática na Escola Militar do Rio de Janeiro. Positivista, foi pregoeiro da república, encabeçou os cadetes na sublevação da madrugada de 14 para 15 de novembro; constituída a república, foi ministro da Guerra, e da Instrução Pública, Correios e Telégrafos.

            No final do império, recusou o título de barão; sob a república, foi o único dos ministros do primeiro gabinete que não disputou eleições. Ao morrer, em 1891, não tinha casa própria: vivia de aluguel, do seu soldo.

            Raimundo TEIXEIRA MENDES, representante máximo do Positivismo no Brasil, até 1927, data da sua morte, e autor da bandeira da república, interveio dezenas de vezes nos assuntos públicos e na atuação dos governos, por meio de publicações episódicas, em que exprimia a sua opinião doutrinária, com independência e desassombro.

            Em certo domingo, ao retirar-se da Igreja Positivista do Brasil, em que predicara, o prefeito do Rio de Janeiro ofereceu-lhe carona, o que ele recusou, para que não se lhe acusasse de aceitar favores do governo...

         O marechal RONDON, positivista que sempre se assumiu como tal, recebeu da Associação Comercial de Manaus banquete em regozijo pelo estabelecimento, por ele, da linha telegráfica entre Manaus e Cuiabá, que traria incalculáveis benefícios ao comércio da primeira. O bródio decorreu no dia do aniversário da mulher de Rondon, Aracy (13 de dezembro), a quem a Associação Comercial fez presente de um colar de pérolas. Ao recebê-lo, para a sua mulher, Rondon agradeceu e recusou-o: “Não é, entretanto, possível à minha esposa, esposa de um simples oficial, usar as pérolas de um tão valioso colar, em desacordo com o nosso modesto padrão de vida. Aceitai-o, pois, de volta, com os meus mais comovidos agradecimentos”. (Ester de Viveiros, Rondon conta a sua vida. Biblioteca do Exército, 2010, p. 310-311).

            Antonio Augusto BORGES DE MEDEIROS, positivista, filho de pai pernambucano, juiz em Pouso Alegre (MG) e desembargador no Rio Grande do Sul, formou-se em Direito em São Paulo, foi constituinte em 1891 e governou o Rio Grande do Sul por 24 anos, de 1898 a 1908, de 1913 a 1915 e de 1916 a 1928. Era Positivista, discípulo de Augusto Comte. Não tinha casa; morava de aluguel. Ao deixar o governo, voltou para a casa que alugava. Não tinha do que viver, nem dinheiro com que pagasse o aluguel.

             Amigos sugeriram-lhe: 
- Doutor Medeiros. temos uma solução. Ponha uma tabuleta na sua janela: - "Advogado". E logo terá a maior e melhor banca de advocacia do Rio Grande.

- É verdade. Mas não posso. Todos os membros desses tribunais e os juízes, atualmente em atividade, foram nomeados por mim. Logo, não posso advogar no Rio Grande.
 
Para sustentar-se, a sua mulher costurou para fora até morrer, em 1957. Ele morreu em 1961, aos 97 anos.

            ANTONIO CHALBAUD BISCAIA, meu avô materno, foi promotor de Justiça de 1933 por diante, Procurador-Geral do Estado, Procurador-Geral de Justiça, chefe de Gabinete da Secretaria da Viação e Obras Públicas, Secretário de Estado da Viação e Obras Públicas, Secretário de Estado da Agricultura duas vezes, Deputado Federal, presidente do Fundo Telefônico (depois, Telepar). Construiu uma casa imensa na rua Lamenha Lins, 213 (em Curitiba), que pagou por empréstimo junto à Caixa Ecônomica, que amortizou de 1946 a 1976, mês por mês, enquanto exerceu os seus inúmeros cargos de confiança, no governo do Estado. Quando deputado federal, no R.J., alugou apartamentozinho em Copabacana, em que uma das suas filhas dormia na sala, por falta de espaço. Viajou, em vilegiatura, uma só vez na vida (para Minas Gerais). Levou vida financeiramente mediana sempre, em moço foi literato e orgulho-me de ser-lhe neto.